Antes de tudo preciso abrir um parêntese para dizer que a candidatura de Barack Houssein Obama me anima, como acho que anima os corações e mentes liberais e esquerdistas do mundo todo. Como também me anima o fato de ver um homem jovem, negro, prestes a ser eleito para governar o Império e, por extensão, boa parte do mundo.
No entanto, precisamos considerar com toda a frieza que o mundo mudou e mudou muito. As grandes coorporações que hoje são mais poderosas que a maioria dos países, Brasil inclusive, criaram uma estrutura de funcionamento onde até mesmo alguns governantes deixaram de ter papel relevante. George Bush agiu nos ultimos anos muito mais de acordo com os interesses das coorporações petrolíferas do que do seu povo. E Obama, apesar de aparentemente não ter este nível de comprometimento, também não pode ignorar que o poder das corporações é real e estará ali a lhe fazer sombra o tempo todo.
Terminadas as prévias Obama resolveu fazer um giro pelo Oriente Médio e pela Europa. Ignorou solenemente a America Latina e o continente africano. Tudo bem, dirão alguns, se ele vai à África só reforçaria o discurso racialista da campanha americana que ele está tentando evitar, concordo. Mas não vir à América Latina? É estranho, mas ao mesmo tempo é sintomático. É o sinal claro de que mais uma vez a América Latina estará relegada a um segundo plano na política americana.
O segundo movimento estranho de Obama foi com relação aos protestos dos jovens que lhe disseram não estar dando a devida atenção à questão racial em sua campanha. Obama lhes deu a resposta clássica do tipo, se não estiverem satisfeitos, procurem outros candidatos para votarem.
Algumas coisas no Obama me chamam a atenção pelo contraditório. A primeira é o fato de ele ter suprimido o Houssein de seu material de campanha, pois seria muito interessante além de colocar o desafio para a sociedade americana de votar num negro, mas votar também num homem chamado Houssein (nome árabe clássico, Saddam Houssein, lembram? Aquele que saiu do buraco para entrar na história). Outra coisa é sua religiosidade. Há quase certeza de sua aproximação com o Islã, mas quem cria problemas para ele é um pastor evangélico negro. Afinal, que apito toca o Obama? Aqui no Brasil, pelo menos, essa questão seria mais fácil. E, por fim, essa questão do elemento étnico-racial que uma hora ele dá sinais de avanços, mas, quase sempre, não assume como um elemento fundante de sua pessoa e de sua trajetória política.
É estranho esse Obama. Um dos fatos que o tornaram uma grande sensação política nos EUA nos ultimos anos foi exatamente ele ser negro, mas um negro que ao invés de se fechar no discurso de gueto, abriu-se para pensar a construção de um país realmente pluriétnico. Ótimo, maravilha, lindo, concordo com isso, mas ignorar a problemática real e diferenciada dos negros americanos o tornará artificial, como também só falar dela teria lhe tornado impalatável.
Lula para ser eleito se viu obrigado a assinar uma carta cujo título de fantasia era "Carta aos Brasileiros", quando devia se chamar carta ao sistema financeiro, empresarial e industrial brasileiro, que lhe obrigou a abrir mão de muitos elementos políticos que o PT vinha construindo há anos para poder passar pela gargante e de fato assumir o país sem provocar uma grande crise. Foi um acordão que, uma vez cumprido, tem permitido a Luiz Ignácio, até hoje, governar em águas calmas. O custo político disso perceberemos em algumas décadas mas uma coisa já é visível que foi a fragilização absurda dos movimentos sociais como um todo, mas isso merece um outro artigo.
Chavez abriu mão de qualquer acordo e, com seu estilo truculento e meio tresloucado tem levado a Venezuela aos trancos e barrancos.
Ainda não sabemos se Obama de fato será eleito, se ele crescerá na reta final da campanha ou se os americanos desistirão de correr o risco de apostar no novo e elegerão Mccain até por uma questão de se sentirem mais seguros no velho branco, típico representante da elite americana.
Mas uma coisa é certa. Obama não se elegerá sem abrir mão, talvez mais ainda, de elementos que para alguns ameaçam a sociedade americana, e um deles, com certeza é uma aproximação com os mais pobres, com uma agenda diferente daquela do Império.
Enfim, o que está posto é que por melhor que Obama seja, e eu apesar de o achar interessante ainda tenho dúvida para entender o que exatamente ele quer, ele para ser presidente terá que estar de acordo com os interesses das grandes coorporações, dos grandes conglomerados, da engrenagem poderosa que faz mover o Império. Se for assim, ele poderá ser negro, poderá ser jovem, poderá ser carismático, desde que cumpra a agenda. Desde que aponte em direção à seta-mestra do Império e esta, quase sempre, é a direção oposta de onde estão a América Latina, a África, os negros e os pobres.
6 comentários:
Sou mais cético do que otimista: Obama lá e nóis cá!
Muito boa análise, Márcio. Dá o que pensar sobre esta esfinge que é Barack Obama.Mas uma coisa não pode ser negada: do ponto de vista simbólico, a eleição de um homem negro, seja republicano, seja democrata, seja contra ou a favor das corporações, será marcante no sistema político americano. Isto se não matarem o cara antes... Sabe como são as coisas lá naquela terra do Tio Sam, uma democracia (será mesmo?) construída à bala...
sem falar que, a incorporação de uma "agenda negra" a esta altura não é relevante, eis que, muito se aproveita do prestígio de sua imagem para nós que estamos do "outro lado", lado este que ninguém ve e ninguém sente...
Para uma agenda que contemple a américa latina, é necessário uma reestruturação de blocos geo-políticos, haja vista pactos como o mercosul.
De todo modo excelente reflexão!
Sem dúvida, concordo com o Zé Ricardo: nem tudo que é bom para os negros americanos é bom para os negros brasileiros...
amplio o elogio ..."ótima reflexão", Marcio!:) Se não é a mesma que venho fazendo desde que soube da existência Obama no cenário político mundial. Concordo com Christian ao dizer que é um ponto positivo do ponto de vista simbólico. Pela representatividade que a população negra (leia-se história, participação econômica, cultural e populacional) tem na sociedade americana até hoje, isso já deveria estar mais que representado na corrida presidencial, com reais chances de eleição. Já era hora. Salvador, a maior capital negra fora de África ainda sequer sentiu cheiro disso em suas eleições municipais(na história), quiçá no planalto central! Na simbologia isso é uma conquista negra em nível mundial...
Mas compartilho o ceticismo do colega acima e a sua dúvida quanto ao que virá por aí quando as máscaras de campanha caírem. Aliás..nem há tantas assim, não é?(vide resposta aos jovens negros...)Não há escapatória nesta bolha corporativa que vivemos. Obama jamais governará sem acordos (muitos e opressores) a potência do Tio Sam, isso é fato. E os acordos estão aí pra isso mesmo..defender interesses econômicos sobre os sociais.
Continuo cética quanto às intenções da "esfinge ocidental-islâmica" que é Obama...e mais ainda quanto às reais transformações que sua eleição trará para a luta negra brasileira e no mundo.
Boa análise. Do ponto de vista as eleições americanas e principalmente a vitória de Obama tiveram um aspecto simbólico grande, tanto que o mundo de certa maneira ficou vidrado nesse pleito.
A América Latina e Obama talvez seja isso que você falou. Não se pode pensar que o mundo ficará melhor com Obama
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