Dona Ivone Lara desfilará sua majestade por São Paulo neste final de semana. Mesmo apesar de tia Ciata e das baianas dos anos 20, o samba de morro sempre foi basicamente machista. Houve Clementina de Jesus, é verdade, um furacão que explodiu na música brasileira nos anos 60 e dominou a cena nas décadas seguintes. Mas as cantoras e compositoras, quase sem exceção, eram brancas, classe média baixa, como Aracy de Almeida, ou alta, como Marilia Batista, as duas grandes intérpretes de Noel Rosa, nos primórdios do samba. Toda a seleção posterior de grandes intérpretes das décadas seguintes confirmará a regra.
Nos anos 60, há a notável exceção de Clementina de Jesus, que se torna a grande dama negra do samba de morro. Mas as sambistas que dominam a cena nas décadas seguintes continuam confirmando a regra, de meio brancas, meio mulatas, mas, a rigor, não representando o que se convencionou chamar de negritude. Os anos 70 e 80 são dominados pela mineira Clara Nunes, pela maranhense Alcione e por Beth Carvalho, que se torna a grande referência posterior, mas cuja origem foi a chamada MPB dos festivais. Nos anos 80 surgiram algumas compositoras negras militantes, como Lecy Brandão, mas sem o mesmo sucesso das outras.
Mas nada se compara a dona Ivone Lara, nenhuma sambista branca ou negra, nem sambista homem, nem mulher. É uma deusa, de um lirismo à altura dos maiores sambistas da história.