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segunda-feira, 25 de julho de 2005

Nos últimos dez anos ocorreu um salto qualitativo nas discussões sobre direitos humanos no país. Se por um lado os temas de direitos humanos remetiam o cidadão comum a relaciona-los às questões voltadas para a violência e segurança pública, por outro levava os acadêmicos a tratarem de elementos muitas vezes incompreensíveis para a maioria das pessoas. Assim, tínhamos de um lado, a simplificação dos direitos humanos e de outro um arcabouço teórico e conceitual extremamente sofisticado.

Este cenário é alterado substancialmente quando as organizações da sociedade civil começam a trazer os direitos humanos econômicos, sociais e culturais para o seio das discussões de direitos humanos tradicionais. Avança-se no sentido de resgatar a Conferência de Viena (1993), que afirmou a indivisibilidade e universalidade dos direitos. Desta forma, tratar os direitos civis e políticos como direitos de primeira geração e os direitos econômicos, sociais e culturais como de segunda geração, passou, não apenas a ser um erro conceitual mas propiciou, sobretudo, a construção de um novo discurso e a possibilidade de um novo olhar sobre os direitos humanos no país.

As conferências nacionais de direitos humanos, promovidas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara e por organizações da sociedade civil, também contribuíram efetivamente para dar aos direitos humanos, econômicos e sociais (Dhesc) uma visibilidade que até então era restrita aos círculos acadêmicos ou da militância mais antenada com as discussões internacionais.
Em 2000 a Conferência Nacional de Direitos Humanos discutiu e aprovou que o país apresentasse perante o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, um relatório sobre a situação destes direitos no país. Um ano depois, uma comissão viajava a Genebra para apresentar este informe. As articulações que levaram à produção do relatório, sua apresentação em Genebra e posterior retorno às organizações nacionais possibilitaram o surgimento da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil) que é hoje, sem dúvida, a principal articulação em torno deste tema em nosso país.

Avanços graduais na defesa dos direitos

A forma mais simples de sintetizar o que são os direitos civis e políticos é apontar o que o Estado não deve fazer contra a pessoa humana. Assim, ações como torturar, proibir o direito de ir e vir, de manifestação política, de reunião e de opinião, são expressamente proibidas pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Já no caso dos Dhesc, o pacto que o rege (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Pidesc) preconiza uma série de ações que devem ser implementadas pelo estado para que direitos como educação, saúde, trabalho, lazer, cultura, desenvolvimento econômico próprio, ciência e tecnologia entre outros, sejam efetivados.
As organizações da sociedade civil, nas duas últimas décadas, mas principalmente a partir da década de 1990, passaram a usar como estratégia o uso de uma série de instrumentos internacionais para defender esses direitos. Denúncias aos Comitês e à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e ações junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) passaram a ser comuns para algumas organizações não apenas visando denunciar, pura e simplesmente, mas fazer com que efetivamente as determinações e recomendações destes órgãos internacionais sejam cumpridas pelo governo brasileiro.

Hoje já se contabilizam êxitos importantes que estas ações lograram alcançar. O mais significativo deles é, sem dúvida que as organizações que lidam com os direitos humanos ampliaram seu raio de atuação saindo apenas da esfera da violência para discutir de forma ampla e qualificada, políticas públicas que venham a se transformar em políticas de defesa dos direitos humanos em sua concepção mais ampla.

No entanto, percebe-se que apenas estas ações não bastam. Se por um lado os direitos humanos se solidificam como elemento inerente à democracia e ao Estado de Direito, por outro percebe-se que há que se avançar mais ainda na formulação e conceituação de novos direitos. Segundo a teoria do direito os direitos humanos não nascem prontos e acabados, eles são conquistas constantes e graduais das sociedades e dos indivíduos que os demandam. Não é possível, portanto, falar em direitos humanos como uma plataforma pronta, mas sim como um espaço de construção e aprimoramento constantes.

Um segundo salto é necessário

Os Dhesc possibilitaram este significativo salto e a interface de várias agendas distintas em torno dos direitos humanos. Agora, surge a necessidade de se implementar discussões profundas sobre temas que avançam no mundo real e no virtual a velocidades nunca antes vistas na história da humanidade. Um tema que aparece como elemento inovador nas discussões de direitos humanos recentes é o que toca na comunicação, na informação e nas novas tecnologias de informação e comunicação (Tics).

A Internet, que ao mesmo tempo propicia a democratização da informação, dá possibilidade a que se propaguem ações de xenofobia, racismo, homofobia, pedofilia e quetais. Os meios de comunicação impressos, radiofônicos e televisivos começam a convergir entre si e os temores de que instrumentos tão poderosos concentrem-se nas mãos de uns poucos tornam-se cada vez mais reais.

Mais do que nunca é importante trazer à baila o que significa efetivamente discutir o direito à comunicação e à informação num mundo global em que a velocidade com que os fatos e não fatos circulam são realmente extraordinários. Esta é uma discussão que rebaterá tanto nas questões relacionadas à educação, quanto na concessão de licenças públicas para rádios e TVs, bem como toda a discussão sobre inclusão digital e a opção estratégica pelo Software Livre.

Discutir o direito à comunicação na sociedade da informação é ainda um grande desafio quando se pensa que as organizações da sociedade civil vêem as questões de comunicação e de informação apenas como técnicas e não como questões político-estratégicas.

Não é de agora que a comunicação e a informação saíram da esfera dos profissionais da área para permear campos tais como o do entretenimento (que não são necessariamente jornalísticos, apesar de recentemente estes estarem cada vez mais imbricados) e da política. Este casamento entre comunicação e política, que em nosso país gera o absurdo de famílias inteiras perpetuarem seu poder político via os veículos de comunicação que controlam, é uma ameaça real à sociedade como um todo e precisam ser urgentemente enfrentados. Não há dúvida que um controle cidadão sobre os meios de comunicação, as concessões de licenças e a democratização do acesso às TICs precisarão ser tratados pela sociedade de forma madura e racional. As convergências entre rádio, TV, mídia impressa e Internet, já são realidade e com isso os poderes dos detentores destes veículos se ampliam cada vez mais.

De semelhante modo é fundamental discutir com mais seriedade e menos interferência dos grandes controladores da mídia do país o papel das rádios e TVs comunitárias. Verdade é que mesmo com o governo Lula em nada se alterou o quadro de perseguição, prisão de dirigentes e destruição de equipamentos das rádios comunitárias.

Um necessário olhar para o futuro

Ainda hoje parte da legislação que rege as rádios comunitárias é dos anos de 1970. Leis sobre a Internet, direitos de autor na web entre outros praticamente não existem. Infelizmente a concepção arcaica dos legisladores brasileiros faz com que estejamos muito para trás em discussões fundamentais no que tange tanto às novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e ao campo da comunicação como um todo.

Neste momento, e este é o primeiro embate político que o novo ministro das comunicações Hélio Costa está travando dentro do governo, está formado um Grupo de Trabalho Interministerial para discutir a Lei Geral de Comunicação do país. É uma discussão fundamental pois implicará discutir o sistema de concessão de rádios e TVs, a entrada de capital estrangeiro e por aí vai.
É fundamental que a sociedade civil organizada esteja próxima e participe desse debate. Hoje toda a chamada mídia alternativa, comunitária e popular precisa estar atenta a essas discussões. Não dá, numa perspectiva de luta por direitos e na estratégia de visibilidade da comunicação como um direito humano, deixar este debate apenas para os especialistas e os grandes proprietários da mídia do Brasil.

Faz-se necessário nesse momento tratar de ampliar o raio de ação das organizações sociais que lidam com a temática da comunicação com outras questões que são absolutamente vitais neste momento. A problemática da questão juvenil e da violência urbana passa por maior acesso à educação e ao pleno emprego. Um link entre esta problemática e ações efetivas de inclusão digital, acesso às novas tecnologias e ao Software Livre poderão se tornar um caminho fantástico para centenas, ou milhares de jovens, que hoje se vêem à volta com o desemprego e sem alternativas futuras.

Os direitos humanos na sociedade da informação devem ser vistos como indissociáveis da noção de que todos e todas devem ser beneficiados pelos novos conhecimentos e novas tecnologias que venham a ser desenvolvidos.

Pensar em comunicação como direito humano é, antes de tudo, imaginar que as maravilhas da sociedade da informação precisam ser compartilhadas com todos: pobres e ricos, negros e brancos, urbanos e rurais etc., etc. Esta é a premissa básica: incluir os que estão fora.
Colocarmos uma premissa prioritária, não nos exime de alcançar outros patamares de discussão, como pensar a qualidade da informação: na difusão, na troca, na sinergia. A questão é que o atraso da universalização no Brasil direciona o raciocínio imediato de dirimir a distância de excluídos e incluídos. Torna-se vital, sem deixar o imediatismo em segundo plano, elaborarmos um debate amplo com a sociedade para definirmos os alicerces estratégicos para consolidação do software livre, dos programas de inclusão digital, de uma nova lei de concessões de rádios e TVs etc. Construir essas alternativas é o nosso grande desafio.

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