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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Religiosidade de Matriz Africana e o MN - Um novo momento, novas construções

Houve uma época em que afirmar que a religião era o ópio do povo não só era uma necessidade como, também, uma forma de estar antenado com o pensamento descolado da esquerda revolucionária. Ainda hão de ser contadas, no entanto, as tantas histórias de esquerdistas que buscaram nas Casas de Axé o porto seguro para se esconderem da ditatura e de seus asseclas.

Este texto, no entanto, tem o objetivo de pontuar questões que se tornam a cada dia mais essenciais para nós, que lidamos com o cotidiano da militância negra e atuamos em frentes de batalhas cada vez mais amplas.

Estamos às vésperas da II Conferência da Igualdade Racial promovida pelo Governo Federal, no marco da Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial (Seppir), e um fenômeno precisa ser destacado na construção desta conferência que é exatamente o altíssimo nível de mobilização das religiosidades de matrizes africanas para participar, interagir e decidir sobre os rumos desta conferência.

Na Consulta Religiosa, realizada em Brasilia na semana passada, foi aprovada a criação do Forum Nacional da Religiosidade de Matriz Africana, ato contínuo, este fórum que já existe na Bahia, acaba de ser criado no Rio e começa a ganhar contorno em Sergipe. Além disso, sabemos que iniciativas como estas estão sendo tomadas em vários estados do país. Ou seja, as mais velhas e os mais velhos estão há cada dia saindo mais dos terreiros para avançar na discussão política. Um salto de qualidade, sem dúvida.

Sabemos que há mais de 300 anos os terreiros de Candomblé são espaços de resistência política, cultural e religiosa da população negra brasileira. Portanto, nada mais natural que no início de um novo século onde, a intolerância e o desrespeito ainda grassam, um conjunto considerável de religiosos perceba que o embate deve se dar no seio da sociedade e não fora dela. Saudamos, pois, iniciativas como estas descritas acima.

A nós, operadores políticos, dirigentes nacionais e também religiosos, nos cabe outro papel. O de facilitadores das ações, o de pavimentadores das avenidas para que estas velhas e estes velhos passem. Nosso papel é de construir pontes de diálogos, de valorizar o saber ancestral e, ao mesmo tempo, fazer com que este saber dialogue com a "realpolitik" onde se tomam as decisões e se definem os rumos.

Não devemos discutir ritos, formas, liturgias, conteúdos, mas nos atermos ao papel que nos cabe não só como religiosos, mas como operadores. A nosso ver, como Coletivo de Entidades Negras, iniciativas como estas fortalecerão a religiosidade em seu conjunto, não fazendo emergir um ou outro porta-voz da religiosidade, mas dando ao conjunto da religiosidade em si, a voz para fora que ela nunca teve, mas que para dentro tal como as forças emanadas por Xangô, orixá da justiça que, sempre atento, castiga os mentirosos e os covardes e valoriza a verdade acima de tudo.

Marcio Alexandre M. Gualberto
Coordenador Nacional de Política Institucional do
Coletivo de Entidades Negras - CEN

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