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domingo, 4 de fevereiro de 2007

As mudanças demoram a chegar na terra de Momo

Marcos Rezende & Marcio Alexandre M. Gualberto*

Em poucos dias turistas de várias regiões do país e de vários países do mundo começarão a chegar em Salvador atraídos pelo marketing de que aqui se realiza o maior carnaval do planeta. Estes turistas virão, gastarão seu dinheiro, gerarão divisas para o estado e o município e retornarão às suas casas sem saber que se o carnaval da Bahia é um dos maiores do mundo é também um do menos democráticos, pois a cada ano, ocorre uma luta feroz para garantir recursos financeiros e participação a blocos, afoxés e demais manifestações populares que não estão nos veículos de comunicação no decorrer do ano e nem se encontram próximos das esferas de poder.

Estes turistas seguirão para suas casas sem saber que poucos dias antes do carnaval centenas de alunos cotistas, estudantes da Universidade Católica de Salvador não puderam renovar suas matrículas porque o Magnífico Reitor daquela universidade, bem no papel de Pôncio Pilatos, em meio ao calvário cotidiano destes estudantes, houve por bem cobrar taxas atrasadas destes alunos, mesmo sendo esta uma universidade que goza de uma série de isenções por se declarar “sem fins lucrativos”.

Retornarão estes turistas sem saber que numa simples discussão dentro da agência bancária do Bradesco na Baixa dos Sapateiros uma mulher e sua mãe foram chamadas de pretinhas vagabundas e tiveram para si uma arma apontada por um homem que se identificou junto aos vigilantes da agência como policial militar e frente aos olhares atônitos de todos os presentes nada aconteceu.

Caso alguns destes turistas tenham o mínimo de curiosidade poderão buscar nos arquivos a foto de capa do jornal A Tarde, do dia 1 de fevereiro de 2007, que mostra um homem branco dando voz de prisão a um jovem negro (com a arma apontada, é claro!) pela simples suspeita de que este havia efetuado um roubo. E, para completar o quadro há registrada na mesma matéria a reação de um policial à cena em que ele diz: “deve ser um policial federal”. E se este curioso sujeito desejar se deleitar em uma seqüência cinematográfica de fotos sobre uma abordagem policial em Ondina, também com direito a arma apontada para a cabeça de um negro é só recorrer a este mesmo jornal na edição de dias anteriores.

Este turista ávido por informação poderá ainda se arrepiar ao saber que o homem branco que aponta a arma para a cabeça de um homem negro e é fotografado pelo jornal em pleno flagrante é um vereador evangélico da cidade chamado Adriano Meireles, integrante do Partido Democrático Trabalhista.

Estes são casos que à primeira vista parecem isolados mas, que na verdade, configuram o real quadro de situação de racismo institucional em que insiste viver no estado da Bahia. Com 80% de sua população constituída por negros, Salvador não reflete, em suas instâncias de poder e decisão esta maioria de população negra. Ao contrário, a impressão que se tem ao visitar determinados espaços da sociedade soteropolitana onde as relações de poder se estabelecem é que, de fato, cabe aos negros apenas o papel figurativo e que seu lugar é mesmo nos bolsões de pobreza e miséria e, quando muito, quando se aproximam das esferas de poder isso se dá como se fosse um a dádiva, uma concessão, um favor das elites dominantes.

Cento e dezenove anos após a abolição da escravatura, o que se percebe é que a liberdade real para os negros brasileiros ainda não chegou. Os negros encontram-se ainda distantes do mercado de trabalho formal, da educação qualificada, dos espaços de decisão. E a sociedade brasileira ainda percebe isso com naturalidade com se, de fato, coubesse aos negros, estar nos subempregos, na miséria, nos morros e favelas.

Cabe somente aos negros mudar sua própria realidade. Enquanto houver a mentalidade de que algumas esmolas são mais que necessárias para a sobrevivência do nosso povo, teremos ainda negros e negras subservientes, agindo como agiam os mucamos das casas grandes. No entanto, cremos cada dia mais ser necessário que o negro e negra brasileiros ergam suas cabeças, resgatem o orgulho de sua ancestralidade, estufem o peito e sigam adiante para buscar o que é seu.

O Estado brasileiro não faz e nem deve fazer nenhum tipo de concessão à população negra brasileira. O que cabe ao Estado fazer, e ao negro lutar para que isso aconteça, é que seja resgatada a dívida histórica que o país tem com seus negros. Somente assim, teremos de fato um estado democrático de direito. Enquanto isso não ocorrer será tal como o carnaval, apenas fantasias, adereços e festa para mascarar a realidade triste e sofrida do nosso povo.

Esperamos que quando o carnaval terminar e o Rei Momo devolver ao governador recém-eleito as chaves do seu reino, as mudanças propostas por este no período eleitoral concretizem-se de fato e tornem-se realidade para a população negra do Estado da Bahia. Mudanças significam alterações de posturas. E é isso que esperamos e isso cobraremos no tempo devido.

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* Marcos Rezende, Coordenador Geral do Coletivo de Entidades Negras e Marcio Alexandre M. Gualberto – Coordenador do CEN no Rio de Janeiro

Um comentário:

Ricardo disse...

Torço para que o novo governo prove que não manterá o "espírito" do carlismo vivo.
jr