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sábado, 19 de agosto de 2006

Duas histórias, dois homens geniais

Lembrança do Cavalo Louco

Construção do monumento ao guerreiro indígena norte-americano Crazy Horse foi iniciada em 1948 e se estende até hoje
Redação


Um artista, uma obra, uma vida. O escultor autodidata Korczak Ziolkowski passou 34 anos trabalhando em um único projeto. Em 1948, ele recebeu uma incumbência de chefes Sioux: mostrar ao homem branco que os índios também têm heróis. Ziolkowski morreu em 1982, mas sua saga continua viva. Em uma montanha americana de Black Hills, Dakota do Sul, está a obra que se tornará a maior escultura do mundo. É o monumento ao guerreiro Lakota Crazy Horse, que terá 173m de altura e 197m de comprimento.

O rosto de 27 metros de altura mostra as feições de um herói. Ou melhor, de dois. Depois de receber a missão dos Sioux, o escultor não desistiu nunca. Aquilo se tornou seu objetivo de vida. Seu e de sua família. Em 1950, Ziolkowski se casou com Ruth, que chegou a Dakota do Sul no mesmo ano em que a obra começou. Eles criaram dez filhos, sempre dedicados ao projeto.

Mesmo com a morte do marido, Ruth nunca pensou em abandonar o trabalho. Hoje, ela é chefe, avó, mãe, captadora de fundos e gerente de operações da missão. ‘‘Foi a minha vida também, por todos aqueles anos’’, lembra, com saudades. ‘‘Eu não saberia o que fazer mais.’’ O filho Casimir segue os passos e a obstinação do pai. Quer ver a escultura pronta e ajuda o máximo que pode.

Ajuda também vem de turistas, que ficam fascinados com a magnitude do Crazy Horse de pedra. Todo ano, cerca de um milhão de visitantes passam por Black Hills para ver de perto a escultura. O dinheiro que eles gastam em artesanato indígena, livros e tíquetes de entrada mantém vivo o sonho de Ziolkowski.

O local onde está sendo erguido o monumento a Crazy Horse foi cenário do ‘‘oscarizado’’ filme Dança com Lobos, dirigido e estrelado por Kevin Costner. Com sua história politicamente correta do cotidiano dos índios Sioux, Costner levou sete estatuetas para casa. É difícil acreditar, entretanto, na simpatia que se observa entre um militar americano e os nativos.

Em 1870, um grupo de guerreiros liderados por Crazy Horse chacinou a Sétima Cavalaria do Exército dos Estados Unidos. Cada parte tinha seu ponto de vista. Os brancos achavam que podiam invadir as terras, os índios achavam que as terras eram deles. Quem estava certo? De fato, as tribos nasceram no local, foram os primeiros ocupantes, os verdadeiros nativos. Defenderam seu lar com um banho de sangue.

Duas décadas depois, em 1890, a Sétima Cavalaria se vingou. Mais sangue derramado: 104 guerreiros e 250 mulheres e crianças Sioux foram assassinados. O evento, que chocou a opinião pública americana na época, hoje é lembrado apenas por uma simples placa em Woondeed Nee, local das mortes.

As colinas de Black Hills também abrigam outro grande monumento, desta vez em homenagem ao homem branco. São os rostos de quatro presidentes americanos — George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln — esculpidos a poucos quilômetros da estátua de Crazy Horse. O ‘‘cavalo louco’’ também fica próximo a uma cidade chamada Custer, em homenagem ao general George Armstrong Custer, herói da Guerra Civil americana e comandante da Sétima Cavalaria. Uma ironia do destino.

Hoje, os Oglala-Lakota, tribo de Crazy Horse, ocupam a reserva indígena Pine Ridge. Com 270 mil hectares, é uma das maiores do país. Dos 22 mil habitantes, 90% estão desempregados. As manadas de bisonete, principal fonte de alimento dos índios por séculos, praticamente desapareceram. O que restou está nas mãos de fazendeiros particulares. Na guerra das raças, certamente os brancos venceram, mas o sonho do escultor Ziolkowski persiste. Crazy Horse vive.

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