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segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Basta!!! Eis a palavra de ordem para 2006

Uma vez um colega me falou de um filme chamado "A Marcha". A história do filme é simples: miseráveis saídos de vários países africanos começam a rumar em direção à Europa em busca de comida. O filme trataria de mostrar como a Europa encararia aquele problema. Nunca vi o filme. Na verdade nem sei se tal filme existe. Fato é que para escrever neste blog, não achei no Google nenhuma referência a tal película. Pouco importa, o fato é que o roteiro é verossímel. Afinal, o que temos visto com cada vez mais frequência é a marcha dos desesperados rumo a um mundo onde a vida seja um pouco melhor para si e para os seus.

Essa questão sobre o filme "A Marcha" me veio à mente por dois motivos: 1) os recentes e ainda não terminados conflitos em Paris - a propósito, na virada do ano agora, 400 carros foram incendiados nos subúrbios da capital francesa e tal fato foi tratado por nossa mídia como algo corriqueiro; 2) a imagem que ilustra este texto e que foi retirada do blog de minha amiga Helena Costa, Duas Fridas, que por sua vez foi retirada do site Novae.

No caso de Paris a questão é óbvia: jovens desempregados, filhos de imigrantes (mas já cidadãos franceses por nascimento), não encontram perspectiva de vida e se revoltam. Um ministro inábil os chama de escória e o conflito recrudesce. Com o passar dos meses começa um aparente período de calmaria mas, claro está, que essa "trégua" não é duradoura e provavelmente vamos ouvir falar desse problema por um bom tempo em 2006.

Já a imagem da mulher negra esquálida alimentando um saudável bebê branco é a síntese mais completa dos ultimos 500 e tantos anos da história mundial. É muito simplório olhar para o continente africano e dizer que aqueles negros não têm condições de conduzir seus países porque só sabem se destruir. Apenas alguém que não conheça a história recente pode afirmar tal coisa. O fato é que se hoje a Europa é um continente próspero isso se deve primordialmente a tudo que foi retirado do continente africano (e americano), tanto em termos materiais quanto humanos.

Aqui no Brasil temos os dois cenários ocorrendo cotidiana e concomitantemente. Como bem disse o raper Ferrez enquanto em Paris os jovens incendeiam automóveis, aqui se destróem uns aos outros. Nos últimos meses temos ouvido e lido histórias assustadoras de traficantes que passam a ter em seus "territórios" criações de jacarés e de porcos cachaços que são usados para dar fim às suas vítimas. Isso mesmo, jovens negros têm sido jogados às feras por outros jovens negros e a sociedade reaje a isso com o espanto que a anestesia coletiva provocada por uma violência que se torna cada vez banal tem gerado.

Por outro lado se hoje não temos mais as amas-de-leite, algo tão presente na cultura brasileira, cantado em versos e prosas por brancos bem intencionados, ainda convivemos com o cotidiano de nossas mães, irmãs, esposas e amigas servindo como domésticas, frentistas de postos de gasolina, prostitutas de inferninhos de quinta categoria (quase sempre controlados por policiais militares e/ou civis) e por aí vai.

O que nos salvará? O que fará com que saiamos da anestesia coletiva e comecemos a agir de maneira a salvar a humanidade dela própria? Esta pergunta serve para as favelas do Rio de Janeiro, para as periferias de São Paulo e de Paris, enfim, serve para o mundo inteiro.

No início de um novo ano em que tanta gente faz as tais resoluções de ano novo está na hora de começarmos a construir grandes acordos coletivos para que salvemos o mundo para nós e os que nos sucederão. A política já não basta. O Estado encontra-se falido e incapaz de cumprir as suas mais básicas funções. A economia já está com seus compromissos assumidos pelos próximos cinquenta, cem anos. As mobilizações bem intencionadas, porém ineficazes tais como caminhadas na praia, vestir branco, soltar pombinhas da paz, de nada valem quando jovens ainda imberbes, intocados pela sensibilidade, incapazes de sentir pena ou remorso jogam outros jovens às feras. Meu Deus!, chegamos ao nosso limite!

É necessário refletir sobre a necessidade urgente de se pensar que as energias dispendidas pelos jovens das favelas e periferias para massacrarem-se uns aos outros precisam ser urgentemente canalisadas para causas mais nobres. De que adianta produzirmos textos, artigos, teses sobre as relações raciais no Brasil se temos imensa dificuldade em discutir com as bases, com a população negra em geral?

Para mim está cada dia mais impossível imaginar que mulheres negras devam continuar sendo sugadas por rechonchudos bebês brancos, como a mim é inaceitável perder nossos jovens para um ciclo de violência em que o algoz de hoje é a vítima de amanhã. Não se trata de pensar em alianças estratégicas com o tráfico de drogas, pelo contrário, trata-se de resgatar nossos jovens deste tráfico de drogas que os explora e os liquida. Afinal, sabemos todos, que não são os Beira-Mar da vida os grandes narcotraficantes deste país. Sabemos que os verdadeiros barões estão nos mais nobres endereços das grandes capitais e, portanto, são estes os verdadeiros inimigos a serem combatidos.

Finalmente, penso que chegamos num momento de nossa história em que a necessidade de "reajir para não ser morto ou morta", torna-se cada vez mais premente. É um momento em que cada vez temos que ser menos discursivos e mais propositivos. O surgimento de novas demandas e novas agendas está batendo às nossas portas.

Como disse Marina Maghessi, a inspetora chefe da polícia civil do Rio Janeiro, por ocasião da prisão da menina de 13 anos que participou de um ataque de traficantes a um ônibus que matou cinco pessoas, queimadas vivas: "casos como este não são apenas de polícia, mas devem envolver um conjunto maior da sociedade".

Esta é a questão e é sobre isso que precisamos refletir (nós militantes do Movimento Negro, principalmente), é que não dá mais para tratar a violência que nos vitima e a exploração que nos oprime apenas como questões relacionadas à política, à polícia, à economia ou a qualquer outro tipo de disciplina. Trata-se, na verdade, de se refundar o país em outras bases. Trata-se em dizer basta!, não queremos mais viver num país que mata negros e que bebe nas tetas negras de nossas mulheres!!!! Basta!!! Basta!!!! E basta!!!

Um comentário:

Anônimo disse...

Precisamos desse BASTA!!! Ta na hora. Precisamos não só agir, precisamos reagir e também precisamos ousar, para fazer "o acontecer".
Também sempre questiono até quando... mas acredito nos propósitos, acredito nas grandes mudanças, acredito nas grandes revoluções. E é esse acontecer que precisa ser despertado, da maneira correta, na forma exata, na medida certa, dia após dia,e isso nasce inclusive desses grandes erros cometidos até hoje, que obviamente aprendemos com eles. Não no ódio, no sofrimento ou na mágoa, mas na sabedoria e na experiência. Estamos crescendo, estamos nos fortalecendo e nos transformando.. chegando a verdadeira base de entendimento de como fazer o que realmente se quer fazer, o que se precisa fazer.. Afinal não foi a toa que um sabio um dia falou .. "I have a dream"

Alcione Santiago
Bibliotecária