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quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Um encontro com o menino que fui um dia

Se por acaso eu encontrasse com o menino que fui um dia creio que seria um encontro interessante, mas ao mesmo tempo constrangedor para os dois.

Eu só tenho fotos minhas a partir dos 15 anos. Eu não sou da geração das máquinas digitais. Pelo contrário, na minha época uma máquina fotográfica era um luxo e não era qualquer mortal que sabia operá-la. Portanto não tenho fotos da minha infância, da minha meninez. Não lembro de mim quando menino. Não guardo na memória o tipo físico que eu tinha quando garoto. Sei o que aquele menino sentia, mas não sei como aquele menino era.

Portanto, nosso encontro seria um misto de estranhamento para os dois. Eu buscando reconhecer naquele menino o guri que fui um dia. Ele, provavelmente olharia para mim e não me reconheceria.

A primeira coisa que acho que aquele marcio-mirim diria seria o seguinte:

- Nossa, como você está gordo!!

Eu sei que fui um menino e um adolescente muito magro. Até servir ao Exército eu pesava menos de 60 quilos (era quase um raquítico). Depois ganhei forma. Forma de barril!!

O meu eu estranharia me ver tão gordo. E eu provavelmente estranharia vê-lo tão magro, como minha mãe diz que eu era. Nos olharíamos avaliando o por quê de estarmos assim. Se me lembro bem da minha curiosidade infantil aquele menino me cravaria de perguntas. Eu, nervoso, puxaria um cigarro para relaxar e provocaria o segundo estranhamento.

Me lembro que quando minha mãe parou de fumar foi um motivo de orgulho para mim e meu pai. Um belo dia, do nada, ela resolveu não mais fumar. Assim permaneceu por 20 anos. Infelizmente depois de todo esse tempo voltou a fumar e até agora não conseguiu mais parar. E eu dizia que nunca fumaria nem beberia. Não era minha praia nem tinha curiosidade quanto a isso.

As pessoas mudam. Provavelmente eu responderia isso ao meu eu menor quando ele me perguntasse do por quê eu estar fumando. "As pessoas mudam", eu frisaria meio irritado, afinal, aquele guri que eu fui precisava crescer para entender o que se passa no mundo dos adultos. E nem comentaria da minha predileção por cerveja e uisque.

E eu começaria a contar minha vida. Falaria das minhas vitórias, das minhas derrotas, das minhas alegrias e das minhas tristezas, de tudo que fiz de bom e de tudo que fiz de ruim. Falaria do que deixei de fazer e do que, se pudesse, faria diferente. Falaria do amor que tive pelas minhas mulheres e dos meus fracassos como namorado e marido. Diria para aquele pequeno marcio que sou o melhor amigo que alguém pode ter, mas que mesmo assim não tenho muita paciência para as pessoas. Por fim, falaria sorridente para ele do Caio (nosso sobrinho), da Mila (nossa filha) e dos filhos e filhas de amigos nossos e do quanto me emociona ver a vida se perpetuando.

E tenho certeza que meus olhos se encheriam de lágrimas. Porque vendo aquele menino à minha frente eu estaria vendo o melhor do que fui um dia e sei que nunca mais poderei voltar a sê-lo. No entanto, para minha supresa, eu olharia e veria também o menino às lágrimas, olhando para minha figura com supresa, com alegria, às vezes com orgulho e às vezes com tristeza. E olhando um para o outro nós nos abraçaríamos. E o menino que fui um dia me diria que me tornei o homem que deveria ter me tornado, nem melhor, nem pior, mas apenas eu mesmo.

E ao receber o abraço de mim mesmo eu talvez voltasse a dormir um sono bom, sabendo que aquele menino que tinha e ainda tem medo de aranha e de doido, que sonhava e ainda sonha com um mundo melhor, que cria e ainda crê que no homem como senhor de seu destino, vive até hoje dentro desse marcio que me tornei.

E espero que um dia, quando eu tiver meus 70 ou 80 anos, se eu encontrar com este marcio que sou hoje eu possa olhar para ele e pro menino que fui um dia e dizer que posso não ter feito meu melhor, mas tentei sempre dar o melhor em tudo que fiz. E assim, finalmente, não mais dormirei o sono bom, mas dormirei o sono dos justos e terei cumprido minha tarefa neste mundo de meu Deus.

E quando eu me for desse mundo, quero ir conduzido por aquele guri magrelo, cabeludo, sonhador e feliz que fui um dia...

Um comentário:

Desconjumina disse...

lôco o texto,
fotos são boas, mas as vezes valem mais os relatos das pessoas que compartilharam estes momentos conosco.
abs
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